O que tem a Psicologia a dizer sobre a homossexualidade?
Este assunto pode possuir várias abordagens, mas através da minha própria síntese geral e de outras sínteses anteriormente feitas por nomes conceituados na área da Psicologia, pretendo chegar a uma posição face à homossexualidade. Essa síntese será objetiva e justificada sem recorrer a livros culturais cuja interpretação muda conforme o interesse da sociedade.
Este texto é motivado pelo discussão corrente a respeito da homossexualidade, criado principalmente pelos conflitos ideológicos entre participantes do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgénero) e algumas lideranças conservadoras e/ou religiosas. Nestes conflitos, muito foi dito sobre o tema e a Psicologia foi muito mencionada por ambos os lados.
Embora grande parte da comunidade científica rejeite a ideia, muitas pessoas (inclusive cientistas) parecem acreditar que a homossexualidade é determinada geneticamente. A crença de que a homossexualidade é inata, ou seja, que alguém já nasce homossexual, existe e foi difundida, em parte, pela má divulgação científica.
Há muitos pelos quais a crença está incorreta, basta citar os dados de pesquisas que nos dizem que mais de metade dos gémeos monozigóticos de homossexuais são heterossexuais. Isso quer dizer que, pessoas com exatamente a mesma carga genética frequentemente têm orientações sexuais diferentes. Não importa se este número é, 68%, 50% ou sequer se fosse apenas 10%; qualquer número que não seja igual ou muito próximo a 0% de discordância é evidência suficiente de que a homossexualidade não é determinada pelos genes. Logo, a sexualidade não está implícita nos genes.
Como Freud apontou, se nos vamos questionar sobre as causas da homossexualidade, é igualmente pertinente que nos questionemos sobre quais são as causas da heterossexualidade, já que o "interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é também um problema que exige esclarecimento, e não uma evidência indiscutível que se possa atribuir a uma atração de base química". (Freud, 1905/1969).
O argumento de que a homossexualidade não é natural porque não leva à reprodução, não apenas ignora um grande número de comportamentos sexuais que também não levam à reprodução (sexo com métodos contracetivos, sexo em períodos inférteis, masturbação, etc.) como pressupõe que o instinto sexual tem como objetivo a reprodução. Dizer que o instinto sexual tem um objetivo já é certamente incorreto (incoerente com a seleção natural), mas, mesmo se tivesse, este não seria a reprodução, mas apenas a sua satisfação.
Homofóbicos por completa estupidez e homofóbicos por religiosidade (que mesmo assim não deixam de ter a sua parte de estupidez estatelada nos seus julgamentos) acham que a homossexualidade deve ser tratada, afirmando que o pai da psicanálise tratou a homossexualidade de uma mulher, transformando-a em heterossexual no final da análise. Referem-se, certamente, ao trabalho de Freud intitulado de "A psicogénese de um caso de homossexualismo numa mulher" e não poderiam estar mais equivocados. A jovem foi analisada por vontade dos pais, que disseram que ela tinha certos pensamentos homossexuais. Freud, por mais de uma vez, afirmou que “a homossexualidade, em si mesma, não constitui condição de análise”, mas que a jovem, que nunca anteriormente havia tido um interesse homossexual, viu-se obcecada por outra mulher, visto que:
“Nem as proibições nem a vigilância impediam a jovem de aproveitar todas as oportunidades de se encontrar com a amada, de observar todas as suas ações, de esperar por ela durante horas, de lhe mandar presentes, e assim por diante. Era evidente que esse único interesse se colocou acima de todos os outros na mente da jovem. Não se preocupava com os estudos, não se interessava por funções sociais e mantinha relações apenas com algumas amigas que a podiam auxiliar na questão ou servir-lhe de confidentes”.
(Freud, 1920).
Neste caso existe uma razão clara para a psicoterapia: a obsessão da jovem que a tem atrapalhado em todas as restantes áreas da sua vida; e não a sua homossexualidade. Com o decorrer da análise, os pensamentos obsessivos a respeito da moça desapareceram e, consequentemente, a “homossexualidade” também.
Para Freud a homossexualidade é tão natural como a heterossexualidade. Em 1935, ele escreve uma carta endereçada a uma mãe norte-americana que lhe solicitou ajuda em relação às condutas e comportamentos que ela considerava anormais por parte de seu filho. Freud respondeu:
“Eu creio compreender, após ler a sua carta, que o seu filho é homossexual. Fiquei muito surpreso pelo facto de a senhora não ter mencionado esse termo nas informações que me deu sobre ele. Posso eu vos perguntar por que evitou esta palavra? A homossexualidade não é evidentemente uma vantagem, mas não há nada do que sentir vergonha. Ela não é nem um vício, nem uma desonra e não poderíamos qualificá-la de doença. (...) Muitos indivíduos altamente respeitáveis, nos tempos antigos e modernos, foram homossexuais (Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc). É uma grande injustiça perseguir a homossexualidade como crime e também uma crueldade”. (Freud, 1935/1967).
Como dito, para a Psicologia não nascemos com uma orientação sexual e a homossexualidade é tão natural quanto a heterossexualidade e quaisquer outras orientações sexuais, e também tão natural quanto ser destro ou canhoto. Assim como qual a mão que se tem como a mão hábil, a homossexualidade não é apenas inata ou “apenas comportamento”, nem tampouco uma escolha. Na área da psicologia poucas coisas são inatas e “apenas comportamento”.
O organismo nasce com uma carga genética que determinará como ele responderá a determinados estímulos. Parte dos genes apenas será “ativada” ao longo da vida deste organismo, alguns podendo até nunca se manifestarem, por precisarem de um estímulo específico para que isso ocorra. A partir do momento em que nasce e até mesmo antes de o fazer, o organismo passa a modificar o mundo e a ser modificado por este.
As nossas ações, pensamentos e sentimentos são, portanto, resultado da contínua interação entre o nosso organismo e as coisas que lhe acontecem. Quando se trata dos nossos comportamentos, não somos nem biologicamente determinados nem psicologicamente determinados, mas frutos da relação de ambos. Posso aprender a distinguir diversos sons (como aprender as notas musicais) que eu não distinguiria só por ter nascido, mas jamais conseguirei ouvir frequências de sons que meu ouvido não é capaz de captar. Posso, ao contrário da maioria das pessoas, ter genes que facilitam que eu seja mais habilidoso com a mão esquerda, mas ser destro se fui repreendido quando utilizei a mão esquerda para escrever, ou até nem conhecer esta minha facilidade com a mão esquerda porque nunca me foi dada essa possibilidade.
As pesquisas que mostram o funcionamento cerebral de homossexuais masculinos como semelhante ao de heterossexuais femininas e o de homossexuais femininas como o de heterossexuais masculinos, no máximo observam como o cérebro se comporta quando alguém se sente atraído por homens ou mulheres. Não se trata de uma explicação da homossexualidade, mas de uma observação superficial do corpo humano observado. O mesmo se aplica ao estudo que indica que homossexuais masculinos são mais sensíveis a androsterona (um hormónio derivado da testosterona, que está ligado ao desenvolvimento e à manutenção de características masculinas).A não ser que essa diferença seja observada desde o nascimento, observar essa maior sensibilidade pode não ser diferente de observar uma maior sensibilidade ao cheiro da coca-cola por parte de grandes apreciadores da bebida, ou maior capacidade de perceber contraste de cores por parte de críticos de arte. Estes e muitos outros podem ser explicados por um processo chamado condicionamento operante e os indivíduos não nascem desta forma, mas passam, devido a coisas que lhes acontecem, a funcionar desta forma.
Constatarem que, desde o nascimento, indivíduos que viriam a tornarem-se homossexuais eram mais sensíveis a androsterona, ainda assim não implicaria em inatismo da homossexualidade; apenas em inatismo da maior sensibilidade a androsterona. É possível e até bastante provável que muitos homossexuais partilhem esta e/ou outras características inatas (consequentemente, genes ligados a estas características), e que estas mesmas características apareçam com uma frequência bem menor em heterossexuais. Isso indica que os indivíduos com estas características têm maior probabilidade de, na sua interação com o seu meio ao longo de sua vida, tornarem-se homossexuais. Da mesma forma que indivíduos com outras características, nem melhores nem piores, têm maior probabilidade de, na sua interação com o meio ao longo de sua vida, tornarem-se heterossexuais. E idem para qualquer orientação sexual.
Quando falo em probabilidade é principalmente porque, assim como no exemplo dos canhotos que dei anteriormente, alguém pode ter as características inatas que foram observadas em vários homossexuais e ainda assim não ser homossexual. Por motivos diversos: pode ter nascido em um meio tão repressor que puna qualquer contacto homoafetivo, suprimindo este comportamento; pode também sentir atração pelo sexo oposto, ter se envolvido com uma pessoa do sexo oposto e seguir princípios monogámicos; pode ter tido experiências muito traumáticas com pessoas do mesmo sexo e passar a sentir repulsa por estas; etc. E, pelo mesmo princípio, pessoas sem estas características inatas podem vir a se orientarem como homossexuais se, por exemplo, tiverem experiências muito prazerosas que estão associadas a pessoas do mesmo sexo; se, mesmo podendo sentir atração por ambos os sexos, estiver em uma relação monogámica com alguém do mesmo sexo, ou, por motivos diversos (que não fatores biológicos), sempre ter tido relacionamentos homossexuais; se tiver experiências traumáticas com o sexo oposto e frequentar um meio que incentiva e recompensa relações homossexuais; etc.
Tudo indica que sim, é possível mudar a sexualidade de alguém.
Mas isso porque, como estou a tentar explicar, a orientação sexual é algo mais complexo do que características inatas ou uma “escolha”. Dizemos que alguém tem determinada orientação sexual visto a forma de como ele se comporta e, principalmente, como ele se vê. Se alguém diz que não é mais homossexual porque não mais tem relações com pessoas do mesmo sexo e não se considera mais homossexual (por vezes dizendo nem sentir mais atração por pessoas do mesmo sexo), então não há nada que nos legitime dizer que ele ainda é homossexual. E existem muitas pessoas que se dizem ex-gays.
A meu ver, a principal questão a respeito das terapias de reorientação sexual não é se conseguem alterar a orientação sexual ou não, mas sim porque deveríamos fazer isso e se o deveríamos fazer.
Estas não são questões científicas, mas morais e éticas. Há quem acredite que a ciência não pode arbitrar questões como estas, pois o papel da ciência seria descrever como as coisas são e não como elas deveriam ser. Este problema é conhecido na Filosofia como "A Guilhotina de Hume".
A respeito do porquê, é relevante ressaltar, por exemplo, que quase todos os participantes das terapias de reorientação sexual são religiosos que justificam a sua reivindicação com base em doutrinas religiosas. Estas doutrinas geralmente referem-se à homossexualidade como “abominação”, “não natural” ou “doença”. Como já foi esclarecido, a Psicologia não determina a homossexualidade como uma abominação ou não natural, pelo contrário, traz evidências do exato oposto. Seria um contrassenso uma terapia com objetivo de tratar algo que, por si só, não tem justificação para ser tratado (a não ser a desaprovação moral de um grupo de pessoas).
Por isso mesmo, alguns participantes dessa terapia tentam se convencer de que alguém pode sofrer com a sua sexualidade, como as próprias pessoas com convicções religiosas que condenam a homossexualidade, e querer, por vontade própria, se ver livre de seus desejos homossexuais. Este para mim é o argumento mais forte a favor das terapias de reorientação sexual. Mesmo assim, não é lá muito bom. Pois vejamos: pelas razões já expostas, temos fortes motivos para acreditar que sempre existirão pessoas homossexuais ou no mínimo com fortes desejos homossexuais; se a homossexualidade por si só não gera sofrimento, a principal causa do sofrimento com a condição homossexual é justamente a injustificada condenação da qual é alvo; ao legitimar a terapia de reorientação sexual, mesmo se aliviarmos o sofrimento do nosso paciente, estaríamos a contribuir para a manutenção das convicções que condenam injustificadamente a homossexualidade e, consequentemente, produzem grande sofrimento em tantos outros homossexuais que existem ou ainda existirão. Estaríamos a optar por consentir com aquilo que causa tanto sofrimento e a suprimir aquilo que é natural. Alimentaríamos o ciclo de sofrimento sendo que podemos contribuir para o seu fim.
Afinal, quais são as consequências desta terapia para o indivíduo?
A maior pesquisa já feita sobre esta questão foi conduzida pela APA (American Psychological Association) e traz dados assustadores. Há muitos relatos de que indivíduos que passaram por terapias de reorientação sexual passaram a apresentar depressão, confusão mental, disfunções sexuais, automutilação, ansiedade, pensamentos suicidas, entre outros. Mesmo pesquisas conduzidas por adeptos da terapia de reorientação sexual admitem que em cerca de 50% dos casos há consequências desastrosas para o paciente.
Mesmo quando é feita uma intervenção precoce, na infância, para tentar evitar a homossexualidade, as consequências são terríveis. O norte-americano Kirk Murphy, por exemplo, apresentava, quando criança, muitos comportamentos considerados afeminados. Aos cinco anos de idade, foi submetido a um tratamento que visava suprimir os comportamentos afeminados e estimular comportamentos considerados masculinos. O objetivo foi alcançado: a criança passou a comportar-se tal qual era esperado que um menino se comportasse e o caso foi publicado (e este artigo é uma referência para os defensores da terapia de reorientação sexual). Entretanto, Kirk tornou-se depressivo, ansioso, incapaz de ter qualquer tipo de envolvimento sexual e o intenso sofrimento conduziu a suicídio, aos 38 anos.
Estes resultados não são inesperados. A Psicologia reconhece que a sexualidade tem um papel importante nas nossas ações e bem-estar. Anteriormente, fiz comparações entre a homossexualidade e o canhotismo, para ilustrar outros pontos; no entanto, suprimir a homossexualidade tem consequências de proporções muito maiores do que suprimir o canhotismo. O ex-canhoto pode ter maior dificuldade para conseguir ter a letra bonita ou em outras atividades que exijam coordenação motora precisa; em contrapartida o ex-gay será privado de algo que compõe grande parte do que ele é, em outras palavras, será privado de si mesmo. Será que se deve legitimar uma terapia que, além de tudo, tem boas chances de trazer mais malefícios ao paciente do que benefícios?
Sintetizando o que foi apontado ao longo do texto, podemos entender que, para a Psicologia, a sexualidade humana é mais complexa do que possam imaginar. Ela tem bases biológicas, mas não existe orientação sexual sem interação com o ambiente: sem uma história de vida, o que engloba família, amigos, sociedade e tudo o mais que o rodeia. Freud não defendia a reorientação sexual, nem “tratava” a homossexualidade; muito pelo contrário. A homossexualidade não é mais “abominação” ou “não natural” do que a heterossexualidade. A homossexualidade, por si só, não produz sofrimento no indivíduo e a maior causa de sofrimento com relação à própria sexualidade entre homossexuais é justamente a condenação infundada que sofre em seu meio. É possível que as terapias de reorientação sexual consigam alterar a orientação sexual de alguém, mas há boas chances de que não sejam bem-sucedidas e produzam mais sofrimento do que alívio, com alta probabilidade de criarem graves danos psicológicos.
(Síntese)
João R. Abreu
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